Gastei vários tempos entorpecido diante de minha estátua, busto
cobre que decorava o centro da praça de meu quarto. Logo abaixo do monumento,
um papiro presidencial emoldurava a lista de façanhas completamente
irrelevantes, todas de minha autoria.
Não houve um qualquer dia de visita em que não tivesse repetido
o ato, era de praxe a exibição de meu busto e, a depender da receptividade,
ainda havia espaço para a narrativa de algum feito épico. O público se deliciava de meu heroísmo metalinguístico e retribuía com elogios singelos e mentirosos.
Especialmente me apetece o dia no qual enfrentei bravamente
um mar revolto de mobiletes, motos, carros, caminhões, ônibus escolares e também ônibus de passeio que se opôs ao meu caminho enquanto
diligenciava o protocolo da petição de um cavaleiro de bronze dirigida ao
emérito julgador federal. O prazo era exíguo e fatal. Sagrei-me vitorioso e os
louros vieram na forma de um tapa nas costas, bastante para o meu prestígio perante os demais.
Meu forro ostentava algumas goteiras, sempre soube, só que o
mofo havia se espalhado pelas arestas do teto formando um bolor esverdeado que
já incomodava há alguns dias. Exalava um leve fedor de velho que os narizes mais sensíveis detectariam com um espirro infalível.
Quando dei de mim, o busto era ferrugem e o papiro
irreconhecível casa de traças. Por sorte, foi um momento de solitária vergonha
e nenhum dos transeuntes da praça pôde ver o constrangido que eu fui.
Já não lembrando a última vez quando tive uma ideia, abri as duas janelas que sempre estiveram na minha testa e convidei o sol.