sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Notas da loucura

O cenário de onde escrevo agora talvez seja um dos mais improváveis possíveis. Bem diferente da minha costumeira e sossegada rede. Aqui meus olhares perdidos logo se perdem no jeito, de tão rápido que esbarram nos olhares de outrem. A praça de alimentação está lotada de pessoas em horário de almoço e o cenário de onde escrevo agora talvez seja um dos mais improváveis possíveis.

Eu estou louco. Descobri isso ontem à noite, na verdade, hoje de madrugada, durante um telefonema amigo. Há pouco, quando acordei, me ocorreu a idéia de fugir de casa por algumas horas, andar a esmo, sabe... Poderia pegar um ar fresco na moleira, oxigenar o cérebro e conversar com meus neurônios de confiança, fazendo uma grande trupeada mental... E pra que mesmo? Uma pitada de realidade me conduz fácil a perceber que o mormaço do sol a pino em nada lembra o ar fresco que meu cérebro cosera. Ademais, o CD do Duke Ellington que estou a ouvir se aclimata tão melhor ao ar-condicionado do shopping que ... é, realmente um cenário improvável.

Algumas pessoas me devoram insistentemente entre uma mordida e outra. Até parecem saber que eu descobri sobre a loucura - a minha e alheia. Digo que não costumava ser prática minha noutros tempos, mas como bom pecador deste mundo hei de falar: são todos loucos também, e piores que eu, não o sabem ou admitem - olho todos aqui travestidos. Se sensatos fossem expressariam outra coisa em lugar dessa estranheza mesquinha, mas não... A cara de nojo daquela Barbie... à Casa Verde, à Casa Verde!

Levantemos o véu!, o foco da conversa nós conhecemos. Os loucos aqui, conscientes ou não, nos comunicamos. Alguns abundam em discurso, dizem ter poder, posses... Mas para mim há um vácuo em suas falas, ouço quando se perdem. Não se entendem comigo, e eu, só por presença, os agrido. Quem sou eu para condenar... Não poderia fazê-lo só porque estou mais leve. Essas verdades, disse, substituí pela melhor escusa: estou louco.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Identidade

Não é que de repente

tenha me tornado um poeta abusado,
exigente.
É só que tomei consciência
de mim.

Sei que não
mereço uma vida jazz
e sexo comportado.
Compromisso às oito.

Eu nasci pro calor do
tambor das crioulas
me aquecer.
Pra beber cachaça
em vez de uísque.

Que não me venham com aquela
conversa empolada,
por favor!
É nas calçadas da vida que escrevo
meus versos.

Como marcas no chão
permaneço encantado -
Até que a chuva não caia
tipo borracha
até que alguém me leia
me ressuscite.